artigos
literatura
arte

        UMA ORELHA QUE FALA

        FERNANDO RIOS


PARA PEDRO MAIA SOARES, ORELHEIRO
        I

        dos cinco sentidos
        o livro escolheu a orelha

        não porque ela ouve
        o livro falante
        porque ela é fala

        nem alta
        nem baixa
        algo
        ao pé do ouvido

        e sendo paradoxo
        em si mesma
        silenciosamente
        trabalha

        II

        uma boa orelha
        mesmo antes do parto
        abre-se de vida
        jamais mortalha

        orelha é metalinguagem
        e quando de boa linhagem
        mais meta
        que linguagem

        III

        e mesmo quando se diz de alguém
        grotescamente
        que freqüenta
        à sorrelfa
        de soslaio
        orelhas de livro
        sente-se ela
        a orelha
        elogiada

        foi tocada por mãos
        olhos e
        dedos
        na sua fala amaciada
        sempre um convite
        gentil
        a um debruçar-se
        a uma leitura
        que mesmo adiada
        ficará
        no tato
        olhos
        nariz e
        garganta
        do leitor

        IV

        uma boa orelha
        que se degusta com os olhos
        no meio da turba
        nos lençóis da cama
        no seio da calma
        apimenta o saber
        estende o orgasmo
        antecipa o sabor

        e umidamente
        faz salivar a alma

        SÃO PAULO AGOSTO 2007

fernando rios comunicação organizacional - fernando_rios@terra.com.br



LITERATURA
poesia
crônica
conto